O NASCER OU PÔR-DO-SOL?
Corria o mês de Julho, dias grandes e quentes, noites pequenas e mornas. Ainda o sol não tinha nascido e já o António ia com os burros junguidos, pela ladeira do Tapado acima, em direcção ao Prado.
Nesta época do ano há muito que fazer nas hortas. Cavam-se as batatas, os feijões, as cebolas, botelhas, melancias e melões. Por volta das onze já o sol queima a terra e quem nela andar. É tempo de recolher a casa, passando antes pelos tanques para dar de beber aos burros, que com a sede que trazem nem é preciso assobiar. Recolhe-se a cria na loje, põe-se um valente fardo de feno na manjedoura e um bom prato de batatas de cedo na mesa. Estas batatas põem-se mais cedo, logo por Fevereiro, nas hortinhas do Paço e da Eirinha, mais solarengas e protegidas da geada. Dão trabalho, mas que bem sabem estas batatinhas da horta…
Depois de comer e com o lombo moído, dá uma soneira dos diabos. O dia começou mal a claridade foi aparecendo, ainda nem os melros tinham começado a chamar a outra passarada, o trabalho foi duro, e o corpo pede agora descanso. Senta-se, a conversa com a sua Maria vai esmorecendo, o corpo relaxando, e as pálpebras vão caindo de mansinho, até que os olhos se fecham. É a sesta!
Ou foi do cansaço ou por estar bem acomodado, o que é certo é que lhe pegou e a bom pegar. Dormiu a sono solto, e a sua Maria acompanhou-o. Já caía a tarde e o sol se punha quando acordou. Foi um acordar sobressaltado, chamou a Maria que ainda dormia, viu o lusco-fusco pelas frinchas da janela, ficou confuso, perdido de pensamentos, pensou que era de manhazinha e o sol estava a nascer.
- Acorda, Maria! É tarde e mal, o sol já está a nascer!
A Maria ainda tenta raciocinar, mas nem tem tempo. Vai à cozinha preparar o mata-bicho, comem à pressa, o António vai junguir os burros, e aí vão eles em direcção ao Prado.
- Bom dia – diz o António ao vizinho que estava à porta de casa.
O Francisco nem responde.
“-Bom dia? Está a cair o dia, é quase de noite, e este está-me a dar os bons dias?...”
A Maria chega-se ao António, e diz discretamente:
- Olha para o muro. Está cheio de homens! Olha onde está o sol. Está-se a por, não está a nascer!
- Tens razão, mulher. Olha o que fizemos, toda a gente se vai ficar a rir de nós…
Metem ali pela rua da igreja, escondem-se o mais que podem, e lá vão pôr outra vez os burros na loje.
O pior foi no outro dia, no muro, onde os homens se juntam.
- Então ontem, onde é que ias àquela hora?
Risada geral, e até o António se riu, e de vontade.